
A chegada da internet em Algodoal provocou mudanças bruscas e suaves no cotidiano da vila. As possibilidades incluem desde o uso de cartão de crédito até a realização de pós-graduação à distância. A necessidade de divulgar informações sobre a ilha de Maiandeua e melhorar o serviço oferecido aos turistas foi um dos motivos para implantar o sinal do NavegaPará em Algodoal, mas as apropriações que os moradores fazem da internet são mais amplas.
A internet já é tratada como vício em Algodoal, que acomete principalmente os mais jovens, como conta o secretário da Escola Municipal Maria Lourdes Ferreira, Jandir Ramos: “Hoje em dia, esse ponto [do NavegaPará] é conhecido como ‘vício’. Todas as pessoas falam ‘já vai pro vício?’, ‘ta quase ganhando emprego na internet de tanto ficar lá”.
Novos hábitos e novas conexões
O estudante Sávio Lima tem 17 anos e tenta fazer bom proveito do tempo que gasta conectado. Ele usa as redes sociais para divulgar as belezas naturais da ilha de Maiandeua e orientar os turistas, com dicas sobre como chegar em Algodoal e aproveitar melhor o lugar. As divulgações são feitas por meio de uma fanpage no Facebook, na qual Sávio posta fotos, vídeos e demais informações importantes sobre a ilha. “Eu entendo a dificuldade das pessoas que trabalham com turismo em Algodoal, porque é difícil a divulgação aqui”, diz o estudante.
Assim como muitos na sua idade, Sávio gasta um tempo considerável nas redes, que acessa principalmente pelo celular. A popularização da internet em Algodoal mudou alguns de seus hábitos. O estudante costumava surfar na praia, mas deixou de praticar o esporte como antes por conta do vício na internet: “Antes, aqui, os jovens praticavam esportes, faziam coisas diferentes. A juventude não se prendia ao mundo digital como agora .Depois da internet, depois deste avanço tecnológico para a ilha, a juventude não faz mais outra coisa. Eu tiro eu como exemplo, não pratico esporte, não pratico outras coisas, me tornei dependente da internet”.
Sávio usa as redes não apenas para exaltar as belezas locais, mas também fala dos desafios enfrentados pela população e faz críticas às autoridades responsáveis pela ilha. Devido ao conteúdo de algumas postagens, chegou a sofrer represálias, a ponto de ter seu celular quebrado.
“Sempre que eu posso, eu dou uma alfinetada no governo e na prefeitura, e eles me consideram aqui uma pessoa polêmica por isso", comenta Sávio.
Não há dúvidas de que a internet modificou bastante o dia a dia dos moradores em Algodoal. Agora é possível vê-los até de madrugada utilizando o ponto de acesso do NavegaPará, ou mesmo debaixo de chuva. Recentemente, o guia de turismo Marcelo Nascimento viveu o lado negativo do mundo digital, envolvendo-se em um mal entendido que prejudicou sua imagem na vila.
Mas se engana quem pensa que os efeitos da internet nas relações sociais foram apenas negativos. A internet também é um paliativo para matar a saudade de pessoas distantes e manter os laços de afeto fortes, como ocorre com a dona de casa Elaine Cristina, esposa do guia de turismo Marcelo Nascimento.
O filho de Elaine e Marcelo tem dupla-cidadania e viajou este ano para a Guiana Francesa a fim de regularizar sua situação. É a primeira vez que Elaine fica tanto tempo longe do filho, que tem apenas 12 anos e está morando com a avó paterna. Ela conta como a internet a tem ajudado.
Algodoal é uma vila bucólica, as ruas não são pavimentadas e o principal meio de transporte são as carroças, já que é proibido a circulação de veículos automotores. Um cenário distante daquele geralmente associado à alta tecnologia, mas é aqui que a arquiteta e educadora ambiental Luana Pimenta se conecta com o mundo.
Educação sem fronteiras
Natural de Belém, Luana decidiu mudar-se permanentemente para Algodoal há 12 anos, onde desenvolve trabalhos de conscientização do meio-ambiente e tem uma pousada em meio ao mangue. A caminhada até a rua Bertoldo Costa já faz parte da sua rotina, já que no local onde vive não há sinal de operadoras telefônicas.
A arquiteta faz pós-graduação à distância em Educação Ambiental para Sustentabilidade e costuma acessar a internet no fim da noite ou de manhã cedo, quando há menos pessoas na rua e o sinal é melhor. Mesmo assim, vez por outra Luana enfrenta dificuldades para se conectar. “Aqui [na casa] não dá sinal. Eu tô fora de órbita. Eu tô devendo duas matérias, não por culpa minha, porque eu sempre fui estudiosa, é porque o sinal sumiu dois meses. A matéria veio, foi embora, e eu não consegui. Eu realmente precisava da pós-graduação, é uma questão profissional”, relata.
A arquiteta acredita que a inclusão digital é importante para trabalhar o respeito ao meio-ambiente entre os moradores, fazendo-os refletir sobre o lugar onde vivem. Pensando nisso, Luana promove oficinas de arte com crianças usando seu notebook, nas quais os alunos completam quadros de uma história de temática ambiental.
“Eu vejo o perfil do aluno de Algodoal como super aplicado, são jovens muito bons, mas infelizmente estão usando a internet de forma errada. Por exemplo, aqui vem gringo de todo lugar, então a gente poderia aproveitar essa sala para ensinar línguas. Se você for na escola, acho que não tem mais nem os computadores. Porque, como ficaram fechado muito tempo, se perderam”, ressalta Luana.
Um dos objetivos do NavegaPará é contribuir com a qualidade do ensino em escolas públicas utilizando a internet como ferramenta para melhorar o aprendizado, mas esse potencial não foi explorado suficientemente em Algodoal. Além do laboratório de informática da Escola Municipal Maria de Lourdes Ferreira não ter acesso à internet, os moradores da vila não receberam orientações quando o sinal de wi-fi foi instalado, como conta o empresário Bergo Ferreira. “Nunca ninguém veio aqui depois de chegar o NavegaPará e disse: ‘Olha, gente, isso aqui é internet. Ela pode servir para o bem, já que você pode fazer pesquisas, entrar no museu, ver obra de arte, ou então tu podes entrar em um site pornográfico’. Aqui não houve preparo para isso”.
O secretário da escola Municipal Maria Lourdes Ferreira, Jandir Ramos, conta que apesar do esforço em melhorar a educação e o desempenho dos jovens em Algodoal. Mas, a tarefa é árdua, uma vez que há alguns anos existe a dificuldade de oferecer cursos de formação para professores, que precisariam se deslocar para outros municípios para se aperfeiçoar. “A maioria dos professores não têm formação para trabalhar”, revela.
Por iniciativa própria, Jandir criou um time de futebol com jovens de 10 a 17 anos, no qual há regras de conduta e metas de desempenho escolar. O secretário organiza competições e viagens a outros municípios, além de comprar uniformes e equipamentos esportivos. Jandir tem percebido um maior envolvimento dos alunos que fazem parte do time com os estudos.
Economia e turismo
O turismo desempenha um papel importante na economia de Algodoal, responsável por criar empregos em restaurantes, pousadas, transporte por carroça, artesanato e cultura. Mas só há alguns anos a vila passou a contar com um serviço simples: o cartão de crédito.
Ao som de regaee, e com uma vista paradisíaca do litoral paraense à sua frente, bares ocupam uma pequena parte da extensa praia da princesa. Alcione é proprietária de um deles e foi uma das primeiras comerciantes a adotar o uso do cartão em seu estabelecimento. A comodidade aos clientes era um desafio para a empresária, que todas vezes ligava para a administradora do cartão. “A operadora te dava o número de autorização. Você preenchia num papel. Tirava a primeira via e entregava pro dono do cartão e a segunda você ficava em mãos. Você não podia perder este papel porque você tinha que apresentar ele no banco", recorda a empresária.
Esse deslocamento ao banco implicava em mais custos para os proprietários, uma vez que não há agência bancária na vila até hoje. Empecilhos como esse enfraquecem a atividade turística em Algodoal, cuja infraestrutura ainda é precária e funciona à base da informalidade.
Tanto no embarque no porto de Marudá quanto no desembarque em Algodoal, trabalhadores informais abordam os turistas para divulgar e indicar pousadas, recebendo uma comissão para cada hóspede que conseguem. Quem procurar hospedagem pela internet, vai encontrar poucas opções, já que nem todos possuem site.
O guia de turismo Marcelo Nascimento pensa em transformar isso. Mudou-se para Algodoal com a família há seis anos. Não demorou muito para pensar em formas de melhorar o turismo e aproveitar o potencial que a ilha tem a oferecer nessa área.
“Dentro da ilha, a gente precisa melhorar a forma de atendimento, trabalhar com valores adequados. De 10 pessoas, 8 sentem o desejo de retornar à ilha por conta disso. A gente sabe que há uma logística complicada pra chegar aqui, então, tudo isso tem que valer a pena. A gente tem que entender que o turista paga caro pra chegar aqui e demora pra chegar aqui, então ele tem que se sentir realmente valorizado”, destaca Marcelo.
Com espírito empreendedor, Marcelo tem planos de criar uma empresa para recepcionar os turistas que chegam a Algodoal e um site para promover o turismo local. Enquanto isso, administra um grupo de Whatsapp no qual se comunica com turistas de todo o país, dando dicas sobre pousadas, restaurantes e divulgando as belezas naturais da ilha. No seu caso, como no de muitos moradores, a internet se tornou indispensável para atividades profissionais.


